Entrevista com Beltrame


José Mariano Beltrame faz entrevista exclusiva para O DIA

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(...) José Mariano Beltrame abriu seu gabinete ao Jornal do Brasil na segunda-feira passada. Em pouco mais de 40 minutos, o tira que quebrou a tradição de secretários de segurança que cumpriam seus mandatos e depois saíam candidatos, falou sobre o que leva o ser humano a usar drogas, criticou a descriminalização sem que o Estado propicie condições de recuperação ao dependente, pediu maior presença nas favelas libertas pelas UPPs, garantiu que os números da violência na Tijuca são descendentes e anunciou que, se Cabral não for reeleito, sai com ele. Para Beltrame, a situação da violência no Rio só chegou ao nível atual por questões políticas.

Em 2008, quando o entrevistei, o senhor garantiu que não seria candidato e cumpriu, quebrando uma longa sequência de secretários que terminavam eleitos. Qual a importância desta atitude?

Isso ajudou a dar credibilidade ao trabalho, mas acho que o grande paradigma a ser quebrado era o do planejamento. A instituição dá o exemplo é pelo planejamento, pois hoje a polícia sabe onde chegar. Não fazemos mais nada por achismo ou empirismo. A gente trabalha o planejado.

Se o governador Sérgio Cabral for reeleito, o senhor continua à frente da secretaria?

Tenho a intenção de continuar sim, mas é cedo para falar e o cargo é dele. Porém, aqui se trabalha para a frente e tenho um plano para bom tempo.

E se ele não se reeleger?

Em tese, não continuo. Sou muito grato ao governador, e ele tem um valor muito grande porque é uma pessoa que não se mete...Não há interferência política na Secretaria de Segurança, e ele confia no trabaho. É como um bom juiz de futebol, que passa despercebido. Mas qualquer atitude ou ação que tome, dou ciência.

A segurança no Rio sempre foi um problema, e o senhor falou que, hoje, não há ingerência política na secretaria. A política atrapalhou a segurança no Rio?

Entendo que sim. A estrutura do serviço público estadual ficou muito abandonada. A segurança é importante, mas tem que ver a saúde, o transporte. No Rio, não se fazia planejamento prospectivo do que vai ser a cidade em 2015, 2020. O Estado não se organizou para atender à demanda...

Fale mais sobre isso...

Antes, nestas comunidades, havia a desculpa da atuação do tráfico para não haver professor, médico... Agora que os muros da violência caíram, o Estado não tem a velocidade que gostaríamos para atender a demanda.

Nas comunidades pobres, o traficante se transformou no exemplo. E nas UPPs, os policiais já são ídolos, referência para estas comunidades?

É o que pretendemos. Os resultados são muito positivos porque o policial que vai trabalhar lá é sem vício, mas não é só o vício da corrupção. Ele vai para lá gerenciar uma situação de paz, diferente de outros locais, onde o policial na rua tem que estar agarrado a um fuzil para defender a vida, pois corre riscos. Além de se cuidar, tem que cuidar das pessoas, observar colégio, trânsito.

Há algum segredo na UPP?

Sim. Na UPP o policial vai tranquilo, sabe que lá não há arma e pode interagir. Em lugares conflagrados ele não se entrega de corpo e alma ao serviço. Já o policial da UPP escreve diário, faz desenho....

Sobre a descriminalização das drogas, uma corrente aponta a classe média como financiadora do narcotráfico. Ela é a arma do bandido?

É muito filosófico, mas a droga tem um mercado que ela movimenta. O consumidor é um doente pela legislação brasileira. Nossa pretensão não é terminar com o tráfico de drogas, mas ele caiu porque eles (traficantes) estão desarmados. Podemos fazer o trabalho de prevenção. Quem movimenta o mercado é consumidor, de classe média ou alta.

Droga é uma questão de segurança ou de saúde pública?

Das duas coisas. Se temos facções distintas e elas vendem drogas em seus territórios limitados, se armam para não perder territórios e porque o estado quer combater a droga. No Rio, as duas coisas correm juntas.

É possível, então, deduzir que a queda nos índices de criminalidade ajuda a mudar o foco da questão de segurança para a questão de saúde?

Tem de ser assim. Veja o problema com o crack. As pessoas dizem “prende, tira da esquina”. Não posso fazer isso. O que a policia pode fazer é recolher. O detido tem que ser tratado, hospitalizado. Não é questão de botar na cadeia. Mas a dimensão que atingiu aqui no Rio é enorme. Um absurdo ter de parar o carro longe de casa porque há um ponto de tráfico em frente.

O governador Cabral, ao assumir, falou em descriminalização das drogas. O que acha da ideia?

Temos outras demandas antes de descriminalizar, como tratar o drogado, o menor. Se o Estado quer descriminalizar a droga, tem que dar oportunidade ao viciado de largá-la. Quem consome droga e tem boa estrutura econômica e social pode ir para casa, alimentar-se, ir para a aula. E quem está na rua com fome, vê o pai bater na mãe, os parentes abusarem da irmã?

Seus quatro anos na secretaria ajudaram a buscar este equilíbrio social que fala ao libertar comunidades com as UPPs?

Lembro de uma frase do Tony Blair, de que a segurança é o primeiro dos direitos do cidadão. Nestes lugares em que foram instaladas UPPs, restaurarmos esse direito. Agora venham o segundo, o terceiro... Com as UPPs a gente identificou estas ilhas e derrubou os muros de violência.

Conhece alguém ou algum parente que já tenha tido problemas com álcool ou drogas?

Sim, sim, tenho amigos envolvidos, que inclusive faleceram, amigos de fora da corporação. E na polícia já vivenciei isto. Nas delegacias do interior, principalmente, as famílias procuram a gente, pois não sabem mais o que fazer com seus parentes.

Existem casos de uso de drogas na polícia?

Temos casos sérios, mas de alcoolismo, que são tratados, seja pela polícia civil ou militar. Quando detectamos que a pessoa é doente, tratamos, principalmente a PM, que tem um hospital próprio.

O senhor acha que o policial, sujeito ao estresse da violência, fica mais vulnerável às drogas?

Ele pode ficar vulnerável a qualquer coisa, até à corrupção porque ganha pouco. Mas o grande esteio é o que nós trazemos de casa. Se a gente tem uma boa formação familiar, resiste a uma série de coisas.

Já se pode dizer que a criminalidade caiu na Tijuca?

Os índices dizem que sim. Mas a UPP não é a solução de todos os problemas. É o elo de uma corrente dessa solução. As delegacias da área têm metas a serem atingidas, os policiais circulam mais nas ruas. São mais flagrantes, prisões. Mas não tem nada ganho.

Como assim “não tem nada ganho”?

O problema aqui é sério e antigo. Para vermos se está funcionando, precisamos de um corte de seis, oito meses. Mas os resultados são animadores. Este carro tem que continuar andando.

Esta queda na criminalidade tem a ver com as UPPs?

Claro que sim. O Rio também tem hoje uma delegacia de homicídios que é uma das maiores do país. Tínhamos índices baixíssimos de resolução, a taxa era de 3%, 4%. Hoje, já ultrapassamos 10%. A delegacia de homicídios tem 200 policiais sem turno, sem escala. Tomou notícia de um homicídio, sai um time com papiloscopista, rabecão etc.

O que leva as pessoas a usarem droga?

Uma gama de motivos. É uma sensação de poder, em que a pessoa se desinibe e entende que, com aquilo, pode exercer um falso poder. Isto pode levar, por consequência, à criminalidade.

Existe droga leve e droga pesada?

Para mim existe droga...

Há um mito na classe média de que a maconha é uma droga leve e que a cocaína é pesada. O que acha disso?

O segredo de tudo isso é a formação, a cabeça das pessoas, do usuário e de quem não quer usar. Isto tudo vem muito da formação, do conhecimento, da cultura, do preparo que você tem para enfrentar isto. Na minha concepção não existe diferença entre drogas, mas pode haver na farmacologia.

Ou seja, o que leva a pessoa a usar droga é mesmo a falsa ilusão?

Sim, sim. A droga, as pessoas fazem uso exatamente no aspecto desinibidor que pode gerar uma sensação de poder para que tomem alguma atitude que invoque o poder.

O Rio está pronto para sediar a Copa de 2014? O senhor planeja o evento?

Não estamos preparando a cidade para estes eventos, mas para o cidadão, com estrutura de segurança, que são as UPPs, frota terceirizada para agilizar a polícia; delegacia especializada de homicídios, backbone para integrar os batalhões. Precisamos de polícia técnica, perícia, um ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli), que será feito com dinheiro do BNDES; um novo IML, que já funciona.

EXTRAÍDO DE O DIA
PUBLICADO NESTE BLOG NO DIA 14 DE JUNHO DE 2010

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